A cidadania e os direitos humanos daqueles que vivem com diagnósticos psiquiátricos constituem uma das últimas fronteiras nas lutas pelos direitos civis. Até hoje, a maioria dos estudos das ciências sociais e humanas incidindo sobre a psiquiatria, reconhecendo as tendências globais em saúde mental, tem‑se concentrado nas reformas psiquiátricas, nas instituições, nas classificações de doenças e na expansão de psicofármacos, negligenciando as dimensões políticas, éticas e cívicas que moldam as experiências e os saberes sobre o sofrimento psíquico e a doença. Por seu turno, as histórias de direitos humanos não têm abordado os direitos das pessoas com diagnósticos psiquiátricos. No entanto, ao longo do século XX temos assistido à emergência de movimentos visando defender a cidadania plena destas populações, desde as correntes antipsiquiátricas das décadas de 1960‑1970, até associações, redes e alternativas terapêuticas, lideradas por (ex‑)utentes e sobreviventes da psiquiatria. Esses movimentos têm estado na origem de novas experiências terapêuticas alternativas – ou complementares – à psiquiatria biomédica. O estudo das trajetórias terapêuticas dos/das utentes ou de pessoas que visam um equilíbrio emocional e mental tem também demonstrado a importância das abordagens alternativas e/ou complementares à biomedicina, nomeadamente no âmbito das espiritualidades.
Os artigos a incluir neste número temático deverão analisar experiências terapêuticas, ou com efeitos terapêuticos, nos seus contextos específicos, problematizando as dimensões ontológica, ético‑política e epistémica. De que forma um reconhecimento alargado da validade terapêutica de experiências alternativas ao modelo biomédico pode contribuir para uma visão emancipatória da psiquiatria e saúde mental? Esta é a questão central deste número temático que aceitará textos inéditos, de caráter empírico, ou num registo mais teórico-metodológico, capazes de contribuir para a construção de novos imaginários para as instituições, práticas e direitos na psiquiatria e saúde mental. Pretende‑se também que seja um espaço para o diálogo entre saberes da academia e saberes experienciais (nomeadamente de pessoas com experiência de sofrimento diagnosticado pela psiquiatria). Enfim, pretende‑se ainda cruzar perspetivas globais e locais, com destaque para as epistemologias contra-hegemónicas do Brasil e do ativismo global, dando particular visibilidade às narrativas de experiências terapêuticas alternativas ao modelo biomédico e às lutas pela dignidade e pelos direitos humanos, nomeadamente ao papel dos/das ativistas na transformação emancipatória da saúde mental.
Palavras-chave: ativismo; direitos humanos; psiquiatria; saúde mental; terapias.