Além dos textos da antipsiquiatria e da reforma psiquiátrica, há um acervo particularmente rico em documentários – de amadores e de cineastas profissionais – que, representando os horrores do hospital psiquiátrico, merecem a atenção dos historiadores. Em particular, a produção e o visionamento público de documentários nas décadas de 1960 e 70 do século XX permanecem documentos e fenómenos pouco analisados. Mais precisamente, parece-nos que não se tem tomado devidamente em conta a importância do cinema enquanto meio de questionamento de saberes, das instituições e, por conseguinte, do seu papel na produção de uma nova consciência ética e política. Argumentamos que os documentários realizados neste período integraram o dispositivo epistémico e ético-político da reforma, revestindo, por vezes, a função de produzir uma consciência pública da existência do sujeito psiquiatrizado na qual esse dispositivo se apoiou. A partir da visualização de quatro documentários, selecionámos dois parâmetros a nosso ver fundamentais à sua função por eles assumida de produzir essa consciência: a representação dos corpos e das vozes de “doentes” internados nos asilos psiquiátricos. A operacionalização desta análise permitirá apreender novas dimensões do contexto histórico da reforma que visaram promover; veremos, em particular, que ajudam a contextualizar as críticas da psiquiatria, e a olhar ao movimento reformista como processo sociocultural e político que transcendeu a crítica epistémica.