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23
fevereiro
2023
A Escola de Fann: história, memória e tradução transtemporal no horizonte da "Santé Monde"
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Nos últimos dez anos, vários atores da Saúde Mundial têm se voltado para os saberes e as formas de cuidar praticadas nas sociedades do Sul com interesse renovado e novas grelhas de leitura. Este é particularmente o caso dos movimentos de consumidores, sobreviventes e ex-usuários da psiquiatria (Movimentos CSX) e até de certos atores da Saúde Mental Global. Este interesse visa neutralizar os efeitos da patologização e medicalização da vida, processos inicialmente observados em sociedades ocidentais, mas têm-se estendido hoje também às sociedades do Sul Global. Além disso, essa visão leva em consideração as evidências relativamente consensuais segundo as quais o prognóstico de condições graves como a esquizofrenia é mais favorável em algumas sociedades que preservam formas e rituais ancestrais da medicina do que nas sociedades onde a psiquiatria tem o monopólio do
tratamento de "doenças mentais". No entanto, este conceito não é recente, a experiência senegalesa da escola Fann, nos anos 1960, sendo pioneira na divulgação dos saberes ancestrais na gestão do que a psiquiatria ocidental chama de "doença mental".
Formando uma equipa multidisciplinar e cosmopolita, o psiquiatra francês Henri Collomb iniciou um processo que indicava a passagem da copresença dos saberes para uma nova
configuração de saberes e práticas que, simultaneamente, reconhecessem e respeitassem as diferenças entre conhecimentos e encontrassem formas de diálogo entre eles, numa primeira tentativa de estabelecer o que hoje chamamos de ecologia dos saberes. Especificamente, esta experiência envolveu processos de tradução epistêmica e cultural entre os saberes ancestrais senegaleses e a psiquiatria, a psicanálise e a antropologia, no espaço de uma instituição psiquiátrica reformada. Este esforço coletivo e visionário beneficiou de uma colaboração com a população local, gesto que também foi precursor das
exigências éticas e assistenciais contemporâneas. Mas ela iria revelar também alguns limites, em particular ao concentrar as suas atividades no espaço hospitalar.
Partindo da história da Escola de Fann, esta comunicação visa analisar a sua herança e questionar a sua situação atual no Senegal contemporâneo. Em seguida, defendemos a possibilidade de uma tradução transtemporal da experiência de Fann, resgatando e
recontextualizando alguns dos seus elementos, tendo agora em conta o que podemos aprender com as suas realizações e as suas limitações. Por fim, analisamos brevemente o potencial desta reconfiguração e atualização da experiência de Fann para lidar com os problemas atualmente tematizados no campo biomédico Senegalês, bem como para salientar o seu alcance no horizonte de uma "Santé Monde" onde são necessárias novas perspectivas de eco-saúde capazes de irem para além do paradigma reducionista da “saúde mental”.